Bullying e Preconceito I

domingo, 17 de agosto de 2014


Bullying e Preconceito com quem é timido I
Eu já deveria ter escrito a coluna dessa semana há dias. Entretanto, a vida tem dessas coisas de querer derrubar a gente. Problemas acumulam-se e a gente sempre acaba deixando os deveres de lado. But, agora estou aqui.

Desde a conclusão da primeira coluna, eu já havia decidido o tema desta aqui. Mas a bola de neve veio, e mesmo decidido escrever no domingo, não o fiz. 

Mas na última segunda, duas coisas aconteceram. Duas coisas muito curiosas. 

A primeira foi um cara que participa do grupo do Facebook vir falar comigo para divulgar um curso dele sobre como se livrar da timidez. A segunda, uma postagem pedindo para que definíssemos o que era timidez, e um rapaz denegrir-se ao dar sua definição.

Timidez e preconceito

Eu sofri muito bullying na escola. Todos nós sofremos. Seja por sermos tímidos, ou, pior, acabamos nos tornando tímidos por culpa de bullyings diversos. Mas, tu que, do alto dos teus 10/12/14 anos, achas que tua vida escolar está ruim... bom, me acompanhe.
Bullying nas escolas - Alunos tímidos e “diferentes” são os que mais sofrem
Tim Maia já dizia “que um nasce pra sofrer enquanto o outro ri”. E eu era esse um. Baixinho e gordinho. Por aí ‘cê' já tira uma base. Some à isso que o meu cabelo é crespo e volumoso. Mesmo cortado curto, ele tinha vida própria: todo mundo me zoava com um “E Elvis não morreu”.

Até aí, vai. Agora imagina que eu tenho os olhos estreitos. “Ôô!, japa!” era constante. Só que eu posso ir além. Por algum motivo que ninguém explica, eu tinha a pele branca de se ver as veias. Pronto: metade do ano eu era chamado de albino. Mas, metade? Sim... Porque, no verão, minha descendência negra dava as caras. Alto teor de melanina estimulado pelo sol. E na outra metade do ano, qualquer erro meu (até um espirro na hora errada) era “coisa de nego, mesmo”.

Tá bom, ou quer mais? *gargalhada* Eu tenho mais!

Eu tirava notas boas. E não há nada pior do que ser o aluno do fim ou o do começo, na escada das notas escolares. Pronto, era “CDF” para todo lado. Incluindo os clássicos “eu não vou andar com um CDF no recreio”. E vou mais longe... Eu sou filho de professora. 

Sofri bullying até dos professores... Já não bastassem os colegas dizendo “ele é assim por ser filho de professora”, os professores exigiam de mim sempre as melhores notas e os melhores comportamentos. Eu não podia respirar na sala de aula.

Agora soma isso tudo ao fato de que, criado só por mulheres, eu tenho o gênero invertido. É. “Gay”, “viadinho”, “bichona”. O problema não é ser confundido com um homossexual. O problema é ser vilipendiado.

E, bom, eu fui bastante vilipendiado, como vocês podem ver. Mas, e a timidez? Eu entrei numa paranoia de não me aceitar como eu era. Tinha vergonha de mim, de quem e do que eu era. E vergonha nos leva a timidez. O que eu já tinha de tímido, quando pequeno, piorou a cada ano de escola.
Chegou ao ponto de eu virar gago. Gagueira nervosa. Tratamentos mil. Assim, tímido e gago, eu acabo virando um observador dos outros. Fechei-me em mim e afastei-me dos outros. Foi quando eu reverti a situação ao meu favor...

Virando a mesa

Um dia eu bati no peito e disse que “sim, eu sou tímido”. Como disse antes, em determinado momento eu me afastei das pessoas. No começo eu era chamado de “estranho”. Então eu procurei bastar-me em mim mesmo. E não é difícil. Todo mundo deveria sempre pensar e repensar sobre quem é e buscar se encontrar.

Vi-me roqueiro. Deixei o cabelo crescer, troquei o guarda-roupas para jeans e camisetas pretas. Pintei as unhas de preto. Chamativo para um tímido, não? E mais motivos para ser chamado de estranho.

Mas passei a ignorar tudo isso. Aquele beijo jogado pela guria mais popular da escola já não me fazia enrubescer (mesmo que eu tivesse vontade de bancar o avestruz). Aquela piadinha de “Ó o Cazuza ali” era tomada como elogio, e me fazia passar pelas pessoas cantando as músicas do falecido cantor.

Eu aceitei quem eu era. Montei-me para que as pessoas não se aproximassem de mim por qualquer motivo. E me afastei de todo mundo que era “popular” ou se achava “O zoeiro”. Então o meu olhar analítico para cada pessoa e as minhas poucas palavras (para que eu não gaguejasse por causa da timidez) fizeram as pessoas me olharem diferente...

Eu era o estranho, mas não o monstro. Eu era o estranho misterioso. As pessoas não sabiam nada de mim além de que eu era filho da professora. Nunca foi minha intenção virar popular assim. Mas aceitar-me trouxe-me benesses.

Conversando com muitas pessoas, ao longo da minha vida, notei que isso sempre acontece. Sempre que nos aceitamos como somos, deixamos de tentar encaixar nosso quadrado no redondo dos outros (com perdão do trocadilho). 
Muito do bullying se dá porque tentamos, justamente, nos encaixarmos. E quando “cagamos” para os outros, o bullying deles não nos afeta tanto. Afinal, não precisamos nos encaixar para sermos aceitos. Já temos o aceite mais importante de todos: o nosso.

E, acredite, não é balela. Isso acontece inclusive com os movimentos sociais. “Nós somos negros e temos nossos direitos”. “Somos mulheres e temos nossos direitos”. “Somos homossexuais e temos nossos direitos”. E nós, tímidos, também os temos.

O que você pode tirar disso tudo

No fim, o que eu quero dizer com tudo isso é simples. Aceite quem tu és. Aceite teus defeitos e falhas.

Descubra-se. Sem medo, sem receio. E viva sua vida baseado em quem tu és, e não em quem os outros esperam que tu sejas. Tua timidez não é defeito, nem tua solidão. Ao contrário, elas podem te salvar de pessoas muito ruins e vazias. E eu vos deixo com um pequeno enigma:
Decifra-te, ou o mundo te devorará: quem és tu, quais teus gostos, qual teu rosto, qual tuas qualidades invisíveis aos olhos outros, e por que não te amas?
Obs.: Lamento informar que o texto original ficou grande mais. Assim, dividi-o em duas partes. Para total compreensão do assunto abordado, recomenda-se que ambos sejam lidos. Obrigado.

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